Thursday, 21 June 2007

Homos-Vigilantis

Hoje pela manhã, tive exame de uma cadeira que qualquer Faculdade, digna de mencionar que lecciona Direito, deve integrar no Curriculum do curso. Nada mais nada menos do que Filosofia do Direito. Mas não é sobre a disciplina em si que tenciono escrever, mas sim sobre a peculiar forma de como a prova foi supervisionada.
A distribuição dos alunos foi feita por duas salas, tendo ficado os números par na A e os ímpares na B. Até aqui nada de novo. Porém o insólito acontece, quando o doutorando, encarregue de vigiar o nosso exame, por forma a que nenhum aluno perdesse tempo precioso a classificar o seu número, resolve escrever no quadro, Números Pares - 2, 4, 6, 8, 0. Este excesso de zelo foi um claro mau presságio quanto ao rigor com que a prova ia ser supervisionada na mesma proporção em que uma sequência matemática mal ordenada, na cabeça de um candidato a professor universitário, iliba os alunos do 4ª e do 6ª ano de escolaridade de serem pioneiros no grande livro das batalhas entre "Os Portugueses e a Matemática".
Sem mais delongas, começou o exame 20 minutos depois da hora.
Após longos dias de estudo exaustivo, levei comigo alguns auxiliares de memória, não fosse perder-me no meio de algum elaborado raciocínio, o que poderia deitar por terra o brilhantismo da minha prova. Quando pretendemos servir-nos de tais métodos, chegar mais cedo para uma escolha estratégica do nosso posicionamento durante o exame pode ser cruxial para um melhor aproveitamento destas armas. Didáctica á parte, num dia normal, a nossa disposição na sala não poderia ter sido mais perfeita. Os lugares, escolhidos a dedo, contemplavam a parte de trás, do lado direito, do anfiteatro. Lugares únicos na limitação do campo de visão de quem se senta lá à frente a olhar para nós e que, normalmente se aborrece da tarefa ao fim de 15 minutos. Fitar gente feia cansa, especialmente quando estes, enquanto juntam as palavras e as sílabas do enunciado, aparentam estar prestes a cometer suicídio. Não se consegue contemplar tal cenário por um longo período. É assim que as coisas se passam durante as provas de examinação.
Hoje, pela primeira vez, tivemos a confirmação de que não há regra sem excepção. O gorducho revelou perspicácia ao vir colocar-se de pé, mesmo por trás dos nossos pescoços durante um longo período. Acho uma discriminação intolerável associar alunos mais velhos, que estão a repetir o exame e que demonstram a sua dedicação à disciplina, a potenciais autores de fraude.
Se a primeira meia hora pareceu um pesadelo, enquanto escrevia o que a minha memória ia autorizando numa folha de rascunho, a segunda foi um verdadeiro exercício de descompressão, passada a preencher uma folha de ponto com qualificações, adjectivações, deduões, ilações e especulações sobre o carácter e estilo de vida do gordinho. Qualquer sentimento de ansiedade que se possa ter durante as 3 horas de prova, desapareceu para bem longe dali.
O guarda, determinado a não arredar pé, resolveu ir buscar um jornal, esta pequena aberta foi por mim recebida como uma lufada de ar fresco, pois permitiu refrescar a memória por alguns instantes. A sua convicção de estar a cumprir o seu dever parecia inabalável. Porém a excessiva confiança revelou-se má conselheira e o seu à vontade de cão polícia levou-o a cometer um erro. Como qualquer obeso suava e o seu fato escuro funcionou como um catalisador. As suas mãos sapudas, à medida que as folhas se lhes iam colando, tornaram-se incapazes de mudar de página sem emitirem um ruído acima da média, para um espaço de examinação.
Esse momento chegou como uma bênção. Respirei fundo e com ar confiante virei-me para trás. Ao olhá-lo apresentei o ar reprovador de quem está no meio de um raciocínio abstracto, complexo e intolerante com tais distracções. O anafado era esperto mas a sua falta de auto-confiança era crónica, fruto talvez, de largos anos em que os colegas de escola nunca o deixaram esquecer a sua pouco atractiva condição física. Com o medo de estar a prejudicar a atenção de um aluno, deve ter sentido a quebra dos deveres, impostos pela sua tarefa, iminente. Levantou-se, pediu desculpa com um olhar comprometido, fechou o diário e lá foi sentar-se no seu devido lugar, frente a frente com os examinados, como qualquer bom vigilante deve fazer, pelo menos durante tempo suficiente para me deixar escrever, com tranquilidade….

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